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Editorial
A. I. Voeikov (1842-1916), geógrafo russo, considerava a geografia como uma combinação de 'corpos móveis', que, mobilizados pela superfície terrestre, em cada momento configuravam um arranjo especial que caracterizava um determinado período da história da Terra e da Humanidade. Relativamente obscuro no Ocidente, este geógrafo foi contudo divulgado em língua francesa, nos Annales de Géographie (1901). Quase um século mais tarde, Latour, Serres e outros autores viriam a desenvolver teorias de geografia da ciência com elementos semelhantes à de Voeikov (nihil novum sub sole), sem que porventura se fizesse a devida justiça à memória epistemológica do precursor.
Serve esta breve incursão na história do pensamento científico para justificar a 'Apresentação' do n.º 17 da revista Africana Studia, cujo tema dominante é a exploração colonial de África levada a cabo por Portugal, sobretudo no período ao redor do estabelecimento do 'sonho cor-de-rosa' de tornar contíguas as possessões das 'áfricas' ocidental e oriental portuguesas.
A exploração científica oitocentista configura uma especial relação de 'poder metropolitano' e 'conhecimento colonial'. Pode, por isso, ser analisada segundo várias perspectivas, de modo a que se possa caracterizar o mais profundamente possível a sua natureza e efeitos: é uma forma de 'poder', porque se estabelece a partir de um 'centro de controlo' que organiza expedições e recolhe elementos de informação com vista a uma mais concreta exploração do espaço distante; é uma forma de 'representação', porque faz acompanhar a organização dos espaços de poder com 'paisagens' de natureza e cultura distintas das do ponto de partida, que estetizam, mitificam, e, 'justificam' enfim, o empreendimento da exploração; finalmente, é uma forma de 'prática', expedições de homens de armas, de engenheiros e técnicos, de cientistas e políticos, que penetram o terreno e o vão reclamando, parcela por parcela, para o centro 'metropolitano' que tudo organiza à distância, concretizando assim a poderosa intuição de Voeikov e da sua geografia da 'mobilização global'.
Na história da ciência, como em qualquer outra expressão geográfica, scale matters. Por essa razão, faremos acompanhar esta apresentação com mapas que nos permitam apreender não apenas qual a 'convocação de lugares' que dá corpo ao estudos científicos dos autores aqui representados, mas também apreender o modo como, a diversas escalas, esses lugares configuram uma rede inextricável de 'poder', 'representação' e 'prática'.
(...)
Os estudos que dão corpo à primeira parte deste volume têm, na maior parte, origem no Congresso ‘Exploração Científica em África na Época de Serpa Pinto’ que o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e a Associação Cultural Serpa Pinto organizaram em Cinfães, terra de naturalidade daquele explorador, entre 14 e 15 de Outubro de 2010.
Sem a discussão estimulante que teve lugar durante este encontro organizado pela Associação Cultural Serpa Pinto e sem o apoio material desta Associação, este dossier temático não teria sido possível.
José Ramiro Pimenta
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