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Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto (Coord.). 2009. Trabalho Forçado Africano. O Caminho de Ida. Colecção Estudos Africanos. Porto: Edições Húmus.
Prefácio
Graças ao Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, a historiografia relativa à Escravatura, ao Tráfico de Escravos e ao Trabalho Forçado no contexto da colonização ganhou nova dinâmica. Investigadores da mais diversa proveniência têm emprestado ao fenómeno histórico uma atenção sistemática expressa em colóquios e publicações de que esta mesma é exemplo. Integrada nesse projecto global que prossegue.
A diversidade dos temas abordados converge numa constante: o percurso consequencial da escravatura legal para o trabalho forçado. Evolução nem sempre exibindo contornos de abrandamento das condições gravosas em que se exercia, assim nos colocando face a uma característica essencial do desenvolvimento capitalista. A questão da prestação de trabalho no tempo e no todo do espaço colonial é uma questão maior exactamente porque se reveste dessa categoria ôntica.
O percurso material e moral, desde a sua sociedade de origem, daquele que será o primeiro agente da prosperidade moderna toma, no contexto em análise, a preponderância que lhe atribui a violência paroxística das condições de recrutamento e do significado dos métodos aplicados. Caminho da ignomínia, feito da redução a mercadoria da pessoa humana envolvida e também da deslocação física compulsiva em proporções jamais vistas na história da humanidade.
Este volume centra-se sobre o caminho de ida: o percurso pluriforme que vai da modalidade de tráfico a partir das costas africanas para o Atlântico até ao circuito dos recrutamentos coloniais compulsivos a coberto dos procedimentos mais diversos.
Tudo isso transparece no texto de Maciel Santos, que, a partir dos «contratados », desenvolve uma análise do que foi a procura de mão-de-obra para a cultura do cacau em São Tomé e Príncipe. No enquadramento que estabelece da economia da cultura e do recrutamento de trabalhadores, o autor tem a oportunidade de evidenciar as condições sociais que tipificam esse mesmo recrutamento, que vai ao ponto de nos colocar perante a ambiguidade formal de trabalho «livre» executado por escravos de facto.
Se porventura a cultura colonial do cacau, nomeadamente em São Tomé e Príncipe, de um ponto de vista das implicações sociais, já foi dissecada, a contribuição desta análise de rigor sobre os factores imediatos de produção representa uma inovação em que a presença dos produtores directos retoma a gradação essencial que lhe é devida no processo.
Exemplo também dos vários contornos do recrutamento para o trabalho forçado é o caso da Companhia dos Diamantes de Angola. Todd Cleveland evidencia, não só as agruras da deslocação dos «contratados», como o envolvimento das famílias em tais «vinhas da ira» africanas.
Entretanto, o velho tráfico – agora ilegal – continuava a descobrir caminhos. Colette Dubois introduz-nos numa área tão estimulante como é a do tráfico de escravos a partir da Costa francesa dos somalis nas datas tardias de finais do século XIX e da primeira metade do século XX. A dimensão de que este tráfico se revestiu, atingindo, a sul da costa sudeste africana, a colónia portuguesa de Moçambique, tem aqui um contributo, nomeadamente sobre o tráfico a partir do porto de Tadjoura.
Mas antes de tudo isto, houve três séculos de comércio negreiro lícito. Arlindo Caldeira, em trajectória de debruçamento sistemático sobre o comércio atlântico de escravos, brinda-nos com uma abordagem tão profunda quanto o permite a documentação disponível das condições de transporte de escravos no Atlântico Sul durante o século XVII. Ultrapassando as barreira de tempo e de lugar enunciadas, temos diante dos olhos a imagem do que foi um dos muitos holocaustos ao longo de séculos. As precauções na abordagem documental constituem uma garantia mais da exegese aplicada e transparente nos resultados obtidos. Porventura e simultaneamente a mais equilibrada e mais completa abordagem das condições da travessia atlântica de escravos.
Stacey Sommerdyk, invocando a fraca atenção que tem merecido a intervenção dos Países Baixos no tráfico atlântico de escravos, propõe-se resgatar essa ausência na questão da formação de identidade étnica no contexto desse mesmo tráfico, fazendo incidir a sua atenção sobre a Costa do Luango, mas também sobre as relações entre Portugueses e Holandeses e inevitavelmente a disputa do comércio entre concorrentes, Ingleses e Franceses incluídos.
Gustavo Accioli Lopes analisa o que representou a mão-de-obra fornecida pela Costa da Mina à área servida pelo porto do Recife entre fins do século XVII e a primeira metade do seguinte. O ouro, o tabaco, os escravos constituem a dimensão comparada da absorção de mão-de-obra e das vicissitudes do tráfico específico para Pernambuco.
A abordagem simultânea da escravatura, do seu tráfico e do trabalho forçado tem o mérito de associar expressões tão morfologicamente diferentes quanto operacionalmente convergentes e consecutivas. Se aceitamos a condição de pré-capitalistas como sendo a dos plantadores coloniais, podemos estabelecer o percurso formalmente contraditório com que contribuíram definitivamente para a implantação do capitalismo.
José Capela
A colecção Estudos Africanos iniciou este ano uma nova parceria entre o Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto e as Edições Húmus.
R&D Unit integrated in the project number UIDB/00495/2020 (DOI 10.54499/UIDB/00495/2020) and UIDP/00495/2020.
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