ESPIGUEIROS, SILOS E CELEIROS EM MOÇAMBIQUE

Índice:

Apresentação (16)

Introdução Geral (21)

Capítulo 1 - O advento da agricultura em Moçambique (21)

Capítulo 2 - Províncias de Maputo e de Gaza (98)

Capítulo 3 - Inhambane e Regiões Nortenhas de Gaza (121)

Capítulo 4 - Província de Sofala (144)

Capítulo 5 - Província de Manica (177)

Capítulo 6 - Província de Tete  (204)

Capítulo 7 - Província da Zambezia (259)

Capítulo 8 - Província de Nampula (303)

Capítulo 9 - Província do Niassa (333)

Capítulo 10 - Província de Cabo Delgado (374)


Referência bibliográfica do livro:

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Medeiros, Eduardo (2025).Espigueiros, Silos e Celeiros em Moçambique Edited by L. Electrónicos. 1 ed. 1 vols. Porto: Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. 

 

Os métodos e os meios de armazenamento de produtos alimentares de origem vegetal e de sementes para as campanhas agrícolas seguintes foram-se aperfeiçoando à medida que a própria agricultura de sequeiro se tornou mais desenvolvida e eficaz com o melhoramento local de variedades de plantas e a integração de outras trazidas de longe, no contexto de uma maior sedentarização dos cultivadores, mesmo continuando a existir uma rotação das machambas para pousio ao fim de algum tempo. Foi a produção de gramíneas cerealíferas, de certos tubérculos e raízes, de leguminosas e oleaginosas que conduziu à feitura e uso de espigueiros, silos e celeiros. Concomitantemente, deu origem a práticas e habilidades, e formação de um saber notável, incluindo de regras para os usos neste domínio. Até lá, eram (e são) os frutos silvestres e os produtos que a própria natureza conservava (e conserva) durante bastante tempo que eram (e são) reservas alimentares dos humanos e também de produtos medicamentosos. Destes produtos, e dos processos e tempos de colecta, tratarei noutro estudo[1]. No trabalho que agora proponho, e que realizei com os meus alunos da Universidade Pedagógica (de Maputo e da Beira) nesses já distantes 1990/1994, ocupo-me de plantas que eram cultivadas e dos seus grãos, raízes ou tubérculos guardados para o consumo diário, para as festas, para as trocas, e para venda quando o capitalismo mercantil, o capitalismo colonial e pós-colonial se abateram sobre o mundo rural. Claro está que o uso de alimentos não cultivados provenientes directamente da natureza continuou até hoje e eram (e são-no) sobretudo importantes nos tempos difíceis imediatamente antes das colheitas, nos tempos de secas ou de pragas, das quais, a mais terrível foi a das guerras.

O livro que ora se apresenta é composto de 10 Capítulos, sendo o 1º de uma introdução geral sobre a agricultura de cereais, mandioca, leguminosas e oleaginosas, incluindo o algodão, cuja rama era igualmente guardada, ainda que por tempo curto, antes de ser vendida. Os capítulos seguintes são sobre os espigueiros, silos e celeiros em cada uma das províncias do país, tomando como exemplo representativo algumas das suas comunidades rurais.

O desenvolvimento da agricultura e dos processos de armazenamento conduziram necessariamente a uma organização política e produtiva dos processos de cultivo e do uso da terra e à gestão dos celeiros. Mas o que se segue não é um estudo teórico sobre estas questões. É tão só uma descrição à maneira de André Leroi-Gourhan[2] e de Cyrill Daryll Forde[3] dessas construções que se vêm nas machambas das aldeias moçambicanas, nos quintais em torno das casas, nas varandas ou dentro delas, para guardar alimentos e sementes.

Designo por espigueiros – a que Junod chamou secadores - às construções muito simples – estrados ou varões suspensos sobre estacas -, nas machambas ou nos quintais, que servem para depositar por algum tempo espigas de milho, molhos de espigas de mapira, de mexoeira e de eleusina, e mandioca arrancada do solo. Os espigueiros para o milho são os de maior duração, para a mandioca e cereais tradicionais são sobretudo usados para a secagem antes de serem armazenados.

Os silos são recipientes relativamente pequenos e fechados, feitos de casca de árvore (como sacos cilíndricos ou ovóides), de caniços, de folhas e fibras vegetais (cestos fechados de várias formas), outros ainda de frutos secos (cabaças, massalas, fruto do embondeiro, etc.), e alguns de barro (bilhas, panelas, cântaros, etc.), servindo todos essencialmente para guardar sementes, remédios, gramíneas e leguminosas. Depositam-se no interior das casas – pendurados nos celeiros do interior -, num canto da varanda, ou num ramo apropriado e elevado de uma árvore do quintal.

Os celeiros são construções cilíndricas ou cúbicas (paralelepípedos por vezes), cobertas e com uma entrada (pequena porta), fabricados com caniços, capim, paus, com as paredes maticados ou não pelo exterior, mas com frequência pelo interior, com uma cobertura à maneira das próprias casas. Geralmente, situam-se no quintal junto das residências, podendo haver mais do que um, mas também na varanda das mesmas ou no local da cozinha por cima da lareira para que recebam os fumos que combaterão os insectos.

As formas e as técnicas de fabrico são muito comuns em todo o território moçambicano, o que varia fundamentalmente são os materiais de construção, determinados pela vegetação local.

As ilustrações que visualizam as descrições dos espigueiros, silos e celeiros em cada capítulo têm origem em fotografias que fiz, em desenhos elaborados pelos co-autores dessas descrições, e de uma ou outra ilustração extraída de livros consultados como o de Henri A. Junod e Jorge Dias, por exemplo, todas devidamente assinaladas.

Quanto aos textos propriamente ditos de cada Capítulo, eles tiveram como primeiro esboço a descrição que cada um dos informantes fez dessas construções e dos seus usos. Reelaborámos depois conjuntamente cada um deles num confronto sistemático com fontes escritas, publicadas ou inéditas, para cada uma das áreas culturais em estudo (e de que se dá conta na Bibliografia).

Todos os termos bantus grafados ao longo deste livro necessitam de um tratamento linguístico, direi mesmo, etnolinguístico e histórico. Terão que ser revistos para uma grafia adequada e para uma mais correcta tradução. As grafias usadas pelos informantes das narrativas etnográficas que serviram de fontes e os Dicionários e Léxicos consultados reflectem grandes incertezas quanto às traduções propostas e ao registo fonológico desses vocábulos. E reflectem por isso uma não decisão clara em relação à fonologia da língua oficial, o que é uma desvantagem para os falantes do idioma político nacional. Em vez disso, os bantuistas têm proposto grafias que um leitor do idioma oficial, não especializado na linguística bantu, cometerá erros grosseiros, por exemplo, o uso do “c” com valor para os linguistas de “tx”, “tsh”, e que para o leitor comum moçambicano terá sempre o valor de “k”, “q” ou de “ss”.

A disparidade dos vocábulos que se registaram para nomear as plantas e suas variedades (Ver Anexo II e Anexo III) não terá apenas que ver com idiomas e seus falares dialectais, mas com a história da difusão das plantas pelas diferentes regiões e sua incorporação nos sistemas alimentares e designações locais. Terão que ser decompostos, explicando-nos o radical e o prefixo que compõe a palavra, e a respectiva etimologia desse radical. Afigurasse-nos, por exemplo, que em muitos dos termos relativos à designação da mandioca há uma partícula que provêm de “mandioca” ou “manhioc”. E noutros, há designações relativas à história local de cada planta. O estudo histórico da difusão das plantas seria de grande utilidade para os linguistas.

A maioria das fontes primárias que deram origem a este livro e o seu “burrinho” de 94 foram depositados no Arquivo Histórico de Moçambique. Provavelmente nunca foram consultados pois desconhecemos referências nos ensaios sobre a agricultura e sobre os sistemas alimentares. Acrescento que uma primeira edição (mais reduzida) deste livro esteve para ser feita nesse ano de 1994 pela Tempográfica, sob o patrocínio e orientação do saudoso Albino Magaia. Por razões minhas desconhecidas, a edição não chegou a bom porto.

Como notas finais convém dizer o seguinte: Ao longo dos “capítulos” escrevi «agricultores» e «cultivadores» em vez de «camponeses» (emergentes ou não), porque trato de construções relativas a uma agricultura dita tradicional, na longa duração, dependente da chuva, da fertilidade do solo (sobre queimadas e que ia mudando de um local para outro), da força de trabalho de células produtivas no âmbito da sociedade linhageira, e dos dispositivos políticos comunitários sobre o uso da terra. As categorias «camponês», «agricultor emergente» ou «agricultor comercial» serão apropriadas para a agricultura contemporânea, de sequeiro ou de regadio, com uso de novas ferramentas, técnicas, sementes, fertilizantes, propriedade, organização do trabalho, armazenamentos, mercados, etc., e, sobretudo, permanecendo mais sedentários nas suas lavras.

Mas esta última categoria ainda era reduzida nesse início dos anos 90, ainda em plena guerra civil. Cerca de 70% ou mais da população moçambicana tem como principal fonte de subsistências aquela agricultura ainda tradicional que produz mais de 90% dos bens alimentares básicos, sobretudo grãos e mandioca. Com alguns excedentes por vezes para o mercado. Fora as culturas de rendimento a que são obrigados, directa ou indirectamente. São milhões de agricultores que ocupam parcelas familiares (de uma nova família) cada vez menos disponíveis e sem possibilidade de rotação, de tal modo a agro-indústria se vem assenhoreando da terra. 

Transformar estes agricultores em camponeses produzindo excedentes com novas tecnologias, saberes, plantas, sementes melhoradas e sistemas de armazenamento mais eficazes é uma árdua tarefa económica e politica que os governantes parecem não estar interessados ou conscientes destas transformações.

[1] No qual tratarei de frutos silvestres nativos, de fruteiras introduzidas ao território antes do século XVI e das incorporadas pelos colonos europeus depois deste século, e também de inúmeras sementes, raízes, tubérculos, caules, folhas e vagens locais e de plantas origem longínqua, incluindo leguminosas, pimenteiros, tabaco, cana-sacarina, hortaliças, etc.  

[2]  L'Homme et la matière. Paris, Albin Michel, 1943; Milieu et techniques. Paris, Albin Michel, 1945.

[3] Hábitat, economía y sociedad: Una introducción geográfica a la etnología (1934). Barcelona, Editiones Oikos-Tau, 1966,

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